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DESVIO PARA O VERMELHO — MEIRELES (MAM/1967)
DESVIO PARA O VERMELHO — MEIRELES (MAM/1967)

MÃEZONA COSTUMAVA falar que estamos na vivência da era Kaly Yuga. A Era de Ferro. Sua duração é de 432 mil anos, tendo passado 5 mil anos, segundo a Sidanta Surya. Quer dizer, ela teria ainda de reinar, com sua ignorância, com sua incoerência, com sua mundividência e crueldade, ainda mais de quatrocentos e vinte e cinco mil anos. Mãezona se sentia realmente muito à vontade com esse tipo de visão do mundo.

A PERCEPÇÃO da fenomenologia universal a justificava por mais quatrocentos e vinte e cinco milênios mais. O fenômeno humano submerso nos subterrâneos de suas misérias, as mais amargas e antigas, ainda teria de se ver renascer no Inferno de sua maternidade, por muito, muito longo prazo. Ela gostava de ser o que era: a rainha empoderada de um núcleo familiar dedicado à manutenção de uma cultura e de uma civilização onde imperavam a ignorância e a morbidez existencial. Sem ignorância e morbidez, poderia ela reinar sobre as mentalidades crédulas, ingênuas, pacóvias de seus filhos??? Ela citava frequentemente Madame Blavatsky cofundadora da Sociedade Teosófica, principalmente quando vinha de encontros furtivos com a enfermeira, “doutora Rozen”, que ela dizia, com orgulho, ter trabalhado no campo de concentração de Auschwitz.

NÃO ESTOU aqui a censurar a autora dos livros “O Homem Visível e Invisível” e “A Visão Teosófica das Origens do Homem”. A Teosofia (sabedoria divina) procede do neoplatonismo. Este, nutria-se das obras de Platão. Caracterizava-se pelo “Monismo”: os seres dito humanos, representam a multiplicidade do princípio material. No neoplatonismo há a prevalência da concepção espiritualista unificada com o princípio material. Para eles, neoplatônicos, inexiste o mal, apenas graus de imperfeição relativamente ao afastamento humano do princípio uno.

QUANTO MAIS próximo do Deus Et, mais perfeito o ser humano. Essa aproximação pode ser conseguida com meditação (reflexão, pensamento). Há oposição entre o mundo das ideias e o universo dos sentidos. Para se conseguir essa junção, três são os estágios, primeiro: o contato ou aproximação com a “emanação do uno” (Logos, Razão ou Inteligência (Natural/Artificial) suprema (Deus Et). Segundo: através dessa aproximação do humano/Deus Et, há a inserção da individualidade do sujeito mundano, terreno, com a “Alma do Mundo”: a Verdade se torna menos secreta e obscura através na mediação (meditação) entre as duas instâncias, espaços ou domínios (Ideias & Sentidos).

TERCEIRO estágio: com o afastamento do envolvimento carnal da matéria, a luz se torna canal ou veículo decisivo na compreensão e aproximação do mundo material com o universo do Logos: espiritualidade e meditação.

ORA, MÃEZONA, nunca foi chegada ao diálogo, à racionalidade e à inteligência. Qualquer argumento que não estivesse plenamente de acordo com suas “intuições”, as mais patéticas, ela logo se irritava, ficava transtornada, irada e saía da proximidade de quem a estivesse questionando. Tudo nela era pulsão. Era uma espécie de “Dona Bronca” por convicção. Ela e o marido desejavam que suas crenças e convicções, que julgavam ser as mais certas e melhores, poderiam ser repassadas para mim, como se por osmose. Desejavam que a mente deles se transferisse para a minha por uma passagem inexistente na configuração dos componentes do plasma sanguíneo. Mas, sabemos, não existe uma membrana que, no processo de osmose, possa fazer essa transferência.

ELA E O marido queriam obter conexões de conhecimentos sem estudá-las. Queriam angariar conteúdos que estavam em outras mentes, na minha psique, por exemplo, simplesmente porque acreditavam que, em sendo eles pai e mãe, tinham o direito de saber tudo o que eu, armazenara, naturalmente, via a ciência dos genes, em meu Inconsciente Pessoal. Eles queriam ter acesso à minha consciência e aos conteúdos de meu espírito, sem que essas ideias e pensamentos fossem acessíveis a eles. Eram vulgares, xucros, incultos, toscos, beócios, e acreditavam que poderiam fazer a transferência de minhas ideias e pensamentos, para a mentalidade ordinária deles.

SEMPRE ME hostilizavam na convivência familiar, com requintes cada dia mais intensos de truculência peçonhenta, porque achavam que essa transferência de conhecimentos, de mim para eles, não era efetivada, porque eu não queria e estava a impedir que se realizasse. Seu filho mais novo, o Coisinha Júnior ou Tonho Ratazana, assim como Dulce It, “A Coisa” e o coronel Pêeme, achavam que eu devia fazer essa transmissão de informações, erudição e saberes, para a mente xucra deles. Acreditavam que eu não fazia isto porque não queria. Essas pessoas eram francamente dominadas por uma crença errada de que podiam suscitar de mim, a transferência de meus conteúdos mentais e emocionais.

CERTA VEZ o tio Nenê me disse: “há pessoas que já nascem prontas para compreender a máquina do mundo. Outras, não sabem como conseguir obter esse conhecimento que desconhecem. Criam elas uma crosta de inveja que, ao final das contas, pode destruí-las”. Tio Nenê, tinha esses lances filosóficos que faziam com que eu admirasse sua cultura erudita, sem que ele tivesse cursado faculdade. Lendo o poeta Drummond de Andrade, lembrei-me da menção do tio Nenê à “máquina do mundo”.

A ALEGORIA poética da “Máquina do Mundo” (poesia de Drummond) surgiu, em Camões, enquanto símbolo dos feitos marítimos gloriosos dos portugueses. Representa, na epopeia camoniana, as façanhas lusitanas de conquistas marítimas. A ideia de que esse mundo em que vivemos é uma máquina, vem da Antiguidade, afirmou-se na Renascença. Essa máquina no tempo de Camões era, talvez, aterradora. Os mares estavam ainda habitados por monstros remanescentes da cultura literária de antigamente. Naus eram atacadas por lulas gigantes que imergiam embarcações inteiras no mar revolto.

A “MÁQUINA DO Mundo” está cheia de monstruosidades, reais e imaginárias. A literatura delas têm-se ocupado. O real e o ficcional se irmanam no “Canto das Sereias” na Odisseia de Homero, nas lendas do “Bode do Mar” também conhecido por Capricórnio (nada a ver com o signo), o Umibuzu, “o Monge do Mar do Japão”, a Serpente de Midgard (Jörmungandr), O Leviatã (peixe-remo), o Kraken ou lula-gigante na Noruega e Groenlândia, o humanoide gigante e tentacular com face e asas de dragão, o Cthulhu da ficção de Lovecraft.

O MUNDO DAS Máquinas, naturais e artificiais, noticiado pela tradição oral desde a Antiguidade, abriu-se às possibilidades de monstruosidades que agora são encontradas no espaço sideral. A exemplo dos seres ameaçadores tipo “Alien, O Oitavo Passageiro”, “A Experiência”, “Enigma de Outro Mundo”, Matrix, “Looper, Assassinos do Futuro”, Os 12 Macacos, Minority Report, “Ela”, Distrito Nove... Da imensa Máquina do Mundo você e eu somos partes acessórias. Precisamos ser parte fundamental. Ou talvez já seja muito tarde para reivindicarmos soberania. Se não somos soberanos, sonos escravos.    

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 29/10/2022
Alterado em 30/11/2022
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