Textos

“Lost Generation” (Álbum De Família)
Eu não teria como abrir
O necrológio da família
Paginar os recortes fotográficos
Perguntar o que foi feito de
Fulana, Beltrana, Sicrana
Lembrar de como foram medrosas
Fúteis, fáceis. Sem trabalho mental
Pertinente. Não fosse o Romantismo
E o pó de arroz, as fitas, as rendas
As plumas e paetês. O baião de dois
Como teriam sobrevivido sem
Resistindo sem esses “encantos”
Como a bunda delas teria se
Apresentado nas festas do anuário
E soltado fogosos fogos de artifícios
Não apenas quando no sanitário
E seus maridos conquistados com as
Mágicas corridas ao espelho do banheiro
Nas formaturas e festas de aniversário
Elas, para quem o mundo atual inexistiu
O expresso da realidade passado pela janela
Do quarto. A Carolina e a Januária
Nenhuma delas viu. A década de sessenta
A década de setenta. Estavam preparadas
Apenas para seduzir o marido incauto
O concurso público como “plano B”
(muitas delas nem para isso se ornamentaram)
Apenas para o papel social biológico:
Parir, ser mãe, dona de casa, “do lar”
Não fez força nem pra soltar um pum
Não lutou por nenhum direito. Não leu
Um único livro, exceto os didáticos e os
Do Paulo Coelho. Ainda assim orgulhava-se
Dessa sua “missão”: ser criada de fedelhos
“Educar” a família, estar sempre em
Ação entre a poltrona, a cozinha, a novela
A sala de jantar, o banheiro, o espelho
Ela, parte do entretenimento virtual da
Tvvisão. Seu feminismo de Fidélio
Emancipação feminista de rebanho.
As mais cultas orgulhavam-se de saber
Ter saído da costela de Adão
Viraram as páginas de um romance de
Eça, outra, da Capitu de Machado
Nenhuma delas ouviu o desafio do
Tempo proclamar: “Vai Maria, sai da
Sombra familiar”. Vai buscar sarna pra se
Coçar. Vence o estigma biológico
Da mera maternidade. Evolui um
Pouco essa mentalidade de babá
És mais que uma estufa um balão senil
De nove meses por ser lembrada apenas
Como a treta da truta que pariu.
Com uma individualidade concedida
Pela butique, as roupas de grife
Lipstick e Cabeleireiros. Não estavas
Nem aí para crescer, investir tempo em
Letramento, em ter um intelecto. Tens
Filhos para serem atraídos pelo consumo de
Eletrodomésticos. E filhas para serem
(A)traídas por uma biografia de domésticas.
A sede de sexo de teu vinco atrai os bobos
Pais para o travesseiro. Viverás apenas
Para ter, ter e ter. Quantos corações e
Mentes pacificadas precocemente por
Teu ponto G. Por uma fotografia no
Week-end na praia, admoestar as crianças
Chupar sorvetes para teu bel prazer.
A família toda se derretendo em sorrisos
Para as fotos em breve amareladas do
Álbum da família Narciso. As caras contemplavam
Os aspiradores de pó na mesa posta de
Tua descendência. Netos e netas a paginar
O buquê de flores cinzas amareladas. O olhar
descolorido tropical. Pessoas transtornadas
Por uma memória sorridente. Sem sal. Fotografias
Sem vida: gordas barrigas, mexericos, cafunés
Especulação virtual de crianças infantilizadas
Por uma cultura de shopping center, de carnês
Do Paraíba que quer manter os lucros de pé.
As descendentes da poeira das vaidades
Levadas pelo vento refrigerado do ventilador
Nada mais nítido, nenhum sentido nessas
Fotografias de álbum de retratos. Castos
As bodas da Julinha, o nascimento do Renato
Tudo por migalhas, trocados, dinheiro
As lágrimas do bebê, os abortos que a mãe
Deixou nascer. Todos os sonhos, cantos
Danças de quadrilhas juninas do crime
Organizado. Todas as pantomimas e lágrimas
Os corações partidos. Solitários. Solidárias
A primavera, e as outras estações
A alegria, o sorriso, a intimidade dos sonhos
Virou pó no estatuto da vida dominada
Que horror! Tudo por dinheiro
Como se nada tivesse valor.
Pagaram tão pouco pela aposentadoria de
Seus filhos. Desapareceram tão rápido
Nas fotos desbotadas pelo fim de século
Agora tudo isso parece coisa do cafundó
As consciências compradas para sorrir
E mentir até o estertor. Que horror!
De ninguém teve dó. Esse tempo
Passou tão rápido. A noção perdida
A duração tão fluida, tão ida
As orações aflitas para N.Sra. do Ó
Esqueceram a coisa mais importante
A aprender que é amar e amado ser.
Este sentimento e essa emoção
Nunca estiveram ou estarão
No álbum de retratos. Onde borrifaram
O inseticida que mata pulgas, traças e
Baratas. E diz a propaganda: protege
O álbum de retratos dos ratos.  
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 20/04/2010
Alterado em 20/04/2010


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